Trump e o Brasil
Por Álan Braga, cientista político e especialista em relações internacionais
Brasília, 14/03/2024
A eleição americana de 2024 certamente terá impacto global. O favorito na disputa, o ex-presidente Donald Trump, possui uma política interna e externa imprevisível, diferente do que têm sido os Estados Unidos no campo internacional desde que assumiram a liderança global com o fim da União Soviética.
Entretanto, o que significaria para o Brasil a volta de Trump à presidência?
De bate pronto, uma nova vitória de Trump significaria, novamente, um empoderamento global da extrema direita, que mostrou resiliência após a derrota do ex-presidente Trump em 2020. Além disso, a mesma resiliência da “nova direita” globalmente é observada no Brasil, visto que o ex-presidente Jair Bolsonaro, derrotado nas eleições de 2022, continua a arregimentar um grande número de apoiadores — como mostrou em manifestação recente nas ruas de São Paulo. Além disso, pode-se citar a recente eleição de Javier Milei na Argentina e a vitória do Partido da Liberdade na Holanda, como exemplos da presente extrema-direita no mundo.
Para o campo democrático brasileiro, uma vitória de Trump e um fortalecimento maior do bolsonarismo no Brasil faz acender um sinal de alerta em todos os democratas, afinal, como mostrado no 8 de janeiro de 2023 (Brasil) e no 6 de janeiro de 2021 (Estados Unidos): o campo político de Bolsonaro e Trump não tem nenhum apreço pela democracia, pelas instituições e buscou, sem sucesso, miná-las para se perpetuar no poder.
Outro ponto de divergência entre o governo Lula e um virtual governo Trump seria a questão climática. Quando Lula assumiu o país em 2023, o Brasil voltou para os grandes fóruns mundiais com a pauta climática. A descarbonização, o enfrentamento às mudanças climáticas e a necessidade da emergência de uma indústria verde tornaram-se pontos centrais do discurso brasileiro na ONU e em outros órgãos multilaterais.
O governo Lula reativou em 2023 o Fundo Amazônia, com contribuições de diversos países: Noruega (3 bilhões de reais); Reino Unido (500 milhões de reais); Alemanha (400 milhões de reais) e do próprio Estados Unidos, Biden anunciou uma doação de U$ 500 milhões (aproximadamente 2,5 bilhões de reais) ao fundo. A volta de Trump e seu negacionismo climático significaria na exponencial redução de qualquer cooperação bilateral, entre Brasil e Estados Unidos, na pauta climática, inclusive de possíveis doações ao Fundo Amazônia e outros fundos climáticos.
Na questão comercial, Trump em seu período na presidência não tratou o bloco europeu com a prioridade que a política externa americana sempre tratou. Além da constante descredibilização de órgãos multilaterais e a saída do acordo de Paris, Trump impôs impostos de importação para históricos parceiros europeus. Foram impostas taxas de importação para variados produtos como: 10% para aeronaves provenientes de França, Alemanha, Espanha ou Reino Unido; 25% sobre uísques irlandeses e escoceses, roupas e cobertores do Reino Unido; 25% sobre café e certas ferramentas e máquinas da Alemanha; 25% sobre determinados produtos suínos, manteiga e iogurte de vários países e entre outros.
Isso evidencia o baixo apreço de Trump ao multilateralismo e aos históricos parceiros estratégicos dos Estados Unidos, como a União Europeia. Para ilustrar ainda mais, em pré-campanha, Trump chegou a afirmar que a OTAN não defenderia mais países que atrasam pagamentos, ainda afirmou que “encorajaria a Rússia a invadi-los”.
Com o grande parceiro da União Europeia mostrando-se “não confiável”, isso poderia favorecer o Brasil nas relações comerciais. Uma retórica agressiva e políticas comerciais desfavoráveis à Europa, por parte dos Estados Unidos, poderiam reviver a negociação do acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul, podendo o Brasil, até mesmo, conseguir melhorar os termos do acordo. Afinal, o Brasil emergirá como um parceiro relativamente estável, confiável e de abundante energia limpa — o que poderia acarretar no florescimento de maior cooperação multilateral, mais investimentos e intercâmbios de conhecimento.
É óbvio que 4 anos de Trump não destroem por completo os laços americanos com os europeus, entretanto, se repetir a política de seu último mandato, novas parcerias podem emergir e o Brasil se torna um candidato para um estreitamento maior de laços comerciais e políticos com o bloco europeu.
A mesma imprevisibilidade e o tratamento belicoso de Trump poderia afastar os históricos parceiros latino-americanos dos Estados Unidos: Colômbia, Chile e México. Na mesma lógica, isso poderia solidificar ainda mais a liderança brasileira na América do Sul, possibilitando ao Brasil aumentar sua influência na região em que lidera — o que poderia acarretar em ganhos políticos globais, bem como econômicos de uma maior integração regional.
Por fim, a política de contenção chinesa, que não sofreu grandes mudanças entre seu governo e o de Biden, deve se incrementar ainda mais, principalmente com uma retórica mais ofensiva e explosiva. Em 2020, durante o leilão da tecnologia 5G brasileira, o governo de Trump atuou para que o Brasil banisse a empresa chinesa, Huawei do certame, fato que não foi concretizado. Esse tipo de iniciativa pode gerar um efeito adverso sob a presidência de Lula, com uma maior aproximação do Brasil dos Brics e do gigante asiático — principalmente nos temas que serão relegados pelos Estados Unidos, como o combate às mudanças climáticas e a cooperação em tecnologias verdes.
De concreto, é possível vislumbrar um acirramento ainda maior dos Estados Unidos em torno da sua política interna, enquanto o mundo aguarda a definição do próximo comandante do maior exército e arsenal nuclear do planeta.
Referências:
https://www.sinification.com/p/trump-or-biden-who-is-best-for-china?utm_campaign=post&utm_medium=web
https://www.cnbc.com/2019/10/02/us-to-impose-tariffs-on-eu-products-after-wto-victory.html