Provocações sobre a polarização política brasileira

É na democracia que os diferentes podem escolher permanecer como sendo diferentes

Por Gabriel Rodrigues Martins, historiador e graduando em Ciência Política pela Universidade de Brasília

Brasília, 20/01/2022

Muito se fala sobre a conjuntura de polarização que o Brasil se encontra nos últimos anos e sempre são apontados os problemas deste fenômeno e como ele prejudica toda a sociedade, entretanto, poucos mencionam os motivos de sua existência e como ele se adequa quase que de maneira natural à democracia e ao sistema eleitoral brasileiro.

As instituições democráticas permitem a participação de indivíduos que, muitas vezes, possuem ideias opostas entre si, tão opostas que podem ser inconciliáveis, por esse motivo, a própria democracia assegura a cada um o direito de divergir e o objetivo dessas divergências, não necessariamente, deve ser o consenso. Ademais, assim como esse regime político propicia o diálogo, ele não obriga o debate e, portanto, permite o não-diálogo entre as partes.

 Neste sentido, o regime que melhor se adequa ao consenso geral não é a democracia, mas sim a ditadura, modelo no qual todos devem se ajustar aos mesmos ideais, sem que possuam a liberdade de divergir ou se opor aos mandatários daquele regime.

Ora, nenhuma pessoa é obrigada debater com alguém que se opõe a seus princípios. Algo que para um indivíduo é imprescindível, para outro pode ser abominável e qual é o problema se o resultado não é a extinção mútua dos indivíduos e/ou de seu direito de divergir? Um não precisa abrir mão de parte dos seus valores para poder conviver com o outro. Muitas vezes não é preciso se ver no outro, mas entender que ele existe e é diferente, talvez oposto e, caso seja, tudo bem, ambos têm o direito de discordar.

No que se refere ao sistema eleitoral brasileiro, ele compreende a existência do outro (o oposto) e de outros, que, em alguns casos, podem concordar sobre elementos pontuais e em outros discordam totalmente.

As eleições presidenciais, por exemplo, são estabelecidas de maneira que no primeiro turno haja um pleito com vários candidatos e, caso nenhum deles seja eleito nesta fase, ocorre, consequentemente, o segundo turno, onde apenas os dois mais votados concorrem.

Neste momento, quando apenas dois candidatos estão em evidência, não faz sentido que um destaque as concordâncias com o outro, muito pelo contrário, o mais importante é salientar as diferenças, mais do que isso, o mais lógico é atribuir ao outro uma série de defeitos e inconsistências, para, então, se colocar como oposto, com o intuito de que o eleitorado lhe veja como ótimo e o outro como péssimo para o País.

O mesmo ocorre em qualquer nação onde a eleição se dá nestes moldes em que há apenas dois candidatos em disputa final, incluindo a maior democracia do mundo, os Estados Unidos. Lá existem diversos partidos, mas apenas dois dominam as eleições (Democrata e Republicano). Na disputa pela Casa Branca, tanto democratas como republicanos realizam eleições prévias internas, visando a definição quem enfrentará o candidato do outro partido na eleição. É comum que ocorram nos debates e nas declarações públicas desentendimentos mútuos e pouquíssimos momentos de concordância.

Nada do que foi citado anteriormente define as duas partes opostas como inimigas. É evidente que, nestes casos, ocorre a polarização, mas nem por isso se justifica o uso da violência, isso porque a polarização está acontecendo em ambientes democráticos, pois existem instituições que mediam esses conflitos e asseguram que ocorram dentro de parâmetros aceitáveis de conduta, isto é, por imposição de regramentos que imputam punição aos que não se mantiverem nos limites do jogo democrático. Em outras palavras, a democracia assegura esta disputa interna entre opostos.

Isto posto, vale dizer que a polarização também pode ocorrer em um regime não democrático o qual não possua quaisquer tipos de regras que impeçam a violência por conta de divergências, mas este não é o caso do Brasil.

É necessário fazer um adendo sobre a utilização repetida dos termos “oposto” e “outro” neste artigo. As palavras estão sendo empregadas de maneira proposital, pois fazem referência direta ao termo polarização. O oposto é aquele que nega os princípios do outro o qual identifica como o adversário.

Desta maneira, não é preciso que o tempo todo se busquem consensos com alguém que esteja em oposição em termos de ideais, valores e princípios, todos estão sobre égide do Estado Democrático de Direito e podem expressar aquilo o que acreditam, desde que não atentem contra os direitos e liberdades dos demais.

E para deixar claro, você que está lendo tem todo o direito de divergir e até mesmo se opor a todos os elementos apresentados neste artigo, caso isto ocorra, não haverá problema algum, pois todos estaremos exercendo a liberdade de divergência e oposição.

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